terça-feira, 16 de junho de 2009

24 Horas e os seus dilemas

Por Gutierres Siqueira

Os produtores da famosa série 24 Horas inovaram. Antes da sétima temporada lançaram um filme para a TV intitulado em português como 24 Horas: A Redenção. O longa-metragem serve, portanto, como uma introdução da nova temporada. Então, para quem está assistindo a temporada atual, é imprescindível que antes veja o filme.

24 Horas: A Redenção foi criado diretor Jon Cassar para que o público não se desacostumasse com as histórias de Bauer, já que esse novo ano veio com atrasos por causa da grave dos roteiristas. O filme acontece em tempo real em meio a muita ação entre 15 às 17 horas.

Em Sagala, um país fictício do continente africano, Jack Bauer (Kiefer Sutherland) refugia-se em uma pequena comunidade de crianças órfãs que são cuidadas pelo missionário estadunidense Carl Benton (Robert Carlyle). Bauer busca sua redenção após as suas conturbadas relações amorosas e familiares, além da fuga de acusações de tortura e desobediência presidencial.


Mesmo escondido nesse acampamento missionário, Bauer é intimado pelo oficial da embaixada norte-americana em Sangala, Frank Tramell (Gil Bellows) para comparecer aos Estados Unidos e responder as acusações. Bauer nega-se a voltar aos Estados Unidos e prefere fugir para outro lugar.

No mesmo momento acontece nos Estados Unidos a posse da presidente Allison Taylor (Cherry Jones). Algumas horas antes da cerimônia oficial Allison Taylor é informada pelo ainda presidente Noah Daniels (Powers Boothe) que não fará uma intervenção militar em Sangala, apesar do apelo do primeiro-ministro sangalês Ule Matobo (Isaach De Bankole), que está preocupado com o iminente golpe de estado promovido pelo general sanguinário Benjamim Juma (Tony Todd).

Roger Taylor (Eric Lively) filho da presidente possui um amigo problemático, chamado Chris Whitley (Kris Lemche), que começa a desvendar um esquema fraudulento envolvendo nomes poderosos da cúpula militar privada dos Estados Unidos, como Jonas Hodges (Jon Voight), um poderoso empresário da companhia militar privada Starkwood.

Hodges promove um total apóio tático para que o General Benjamin Juma efetue um golpe militar em Sangala. Juma utiliza crianças com parte do seu exército e os seus militares invadem a propriedade do missionário Benton para capturar as crianças daquele local. Porém, lá ainda estava Jack Bauer que ajuda essas crianças a caminharem até a embaixada norte-americana.

“Contra o imperialismo americano”


Os militantes do general Juma convencem as crianças que elas estarão lutando contra as “baratas” dos imperialistas americanos para a real libertação de Sangala. Essa abordagem mostra uma realidade de muitos ditadores em países pobres, que exploram suas populações usando a justificativa de combater um império (ou inimigo externo). Essa abordagem lembra certamente o presidente do Zimbábue, o ditador Robert Mugabe e outros líderes que se apóiam numa ideia maniqueísta para justificar suas atrocidades.

Assim como no filme Diamante de Sangue, A Redenção explora o sério problema humanístico do uso de crianças como soldados dessas guerras civis. Algumas instituições de direitos humanos denunciam a existência de 300 mil de crianças-soldados, principalmente no continente africano e na faixa de Gaza, que são normalmente exploradas por ditadores ou grupos terroristas, como o Hamas. Mas próximo da realidade brasileira, documentários como Falcão-Meninos do Tráfico expõem a cruel demanda do tráfico por crianças e adolescentes nos morros cariocas.

Sétima temporada em Washington, D. C.


O cenário já não é mais Los Angeles, mas sim a capital federal Washington. Jack Bauer está de volta, agora no senado americano sendo julgado pelas acusações de tortura. A CTU (Counter Terrorist Unit, ou Unidade Contra-Terrorismo) já não existe. Apesar de tudo diferente, os Estados Unidos continuam debaixo de uma ameaça terrorista. Porém, a ameaça é interna, do ressuscitado ex-agente da CTU, Tony Almeida (Carlos Bernard).

Também, na sétima temporada o braço direito de Bauer não é Chloe O'Brian (Mary Lynn Rajskub) ou Bill Buchanan (James Morrison), mas sim a agente federal Renne Walker (Annie Wersching). Walker sofrerá bastante com conflitos profissionais ao acompanhar Bauer em sua jornada contra o terrorismo iminente e a problemática da tortura.

Agora, quem cuida dessas ameaças é o FBI, que contará com Bauer para ajudar na captura dos terroristas. Nessa nova fase o terrorismo passa tanto pelas mãos de Tony Almeida, como do general Benjamim Juma e o seu companheiro general Iké Dubaku (Hakeem Kae-Kazim). Além dos terroristas africanos, todo o apóio parte de agentes corruptos do governo americano, do FBI e das empresas militares privadas, entre eles o poderoso Jonas Hodges.

O dilema da tortura

As torturas, como em todas as temporadas causam um mal estar na vida de Jack Bauer e nos seus relacionamentos profissionais, mas nesse sétimo dia, Bauer continua torturando, com suas alegações dos fins justificando os meios. Ao contrário da leniente CTU, Bauer encontra forte oposição do FBI quanto à tortura, especialmente do agente especial Larry Moss (Jeffrey Nordling). No decorrer da temporada, Bauer vai “convencendo” que essas “técnicas” são métodos eficazes para aqueles que o acompanham, especialmente Renne Walker. A grande pergunta é se Bauer fará escola no FBI?

O Bauer da era George W. Bush é o mesmo Bauer da era Barack Obama. Quem acha que a série seria captada pelo “politicamente correto” já se decepcionou nos primeiros episódios. O instinto desse ex-agente da CTU está na captura e destruição de qualquer terrorista. Aliás, somente alguém baseado em uma visão irrealista de política internacional, achará que as necessidades belicistas dos EUA mudarão simplesmente pela boa vontade do novo presidente. Acima dos sonhos encarnados no Obama, há o pragmatismo desse líder mediante dos desafios enfrentados no planeta.

Tortura serve para alguma coisa?

Jamais uma resposta afirmativa será dada para tal pergunta. Agora, algumas questões podem ser levantadas para esse debate. Segundo relatórios da CIA o terrorista da Al-Quaeda, Khalid Shaikh Mohammed, capturado pelo exército americano no início de 2008, sabia de planos para um novo ataque ao território dos EUA. Khalid sofre na base de Guantánamo a técnica de tortura chamada de waterboarding (simulação de afogamento) por 183 vezes, e revelou informações suficientes para o desmonte de uma célula da Jemmah Islamiyah, com 17 membros. Certamente essa confissão sob tortura salvou milhares de americanos. Mas é ético? Os fins justificam os meios?

Bauer lida com isso. Os idealizadores da lei criaram tais preceitos para o bem da sociedade, e a lei está acima de um ônibus com quinze passageiros na mão de terroristas. Bauer encara que a tortura é um erro que chama outro, mas uma vez efetuado pode salvas vidas.

O produtor da série 24 Horas, Joel Surnow, em entrevista para a jornalista Jane Mayer da revista The New Yorker, declarou: "Recentemente, estiveram aqui vários especialistas em tortura, e eles falaram 'Vocês não têm idéia do número de pessoas que é influenciado por isso. Tomem cuidado'. Eles dizem que a tortura não funciona. Mas eu não acredito. Não acho que seja honesto dizer que, se uma pessoa amada estivesse presa, e você tivesse cinco minutos para salvá-la, você não usaria tortura. O que você faria? Se alguém tivesse raptado uma das minhas filhas, ou a minha mulher, eu iria querer ter a oportunidade. Não existe nada - nada - que eu não fosse capaz de fazer”.


Bauer lida com isso. Os idealizadores da lei criaram tais preceitos para o bem da sociedade, e a lei está acima de um ônibus com quinze passageiros na mão de terroristas. Bauer compreende que a tortura é um erro que chama outros erros.

OBS: Esse artigo foi publicado originalmente como o título “24 Horas longe do fim” na Revista IKONE, uma publicação acadêmica para as aulas do 5° semestre de jornalismo.

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