sexta-feira, 11 de junho de 2010

Populismo, democracia e liberdade


(Texto vencedor do VII Prêmio Donald Stewart Jr. 2010, promovido pelo Instituto Liberal do Rio de Janeiro-RJ)


Por Gutierres Siqueira

A disciplina é fundamental para o avanço da revolução e essa revolução tem um líder... Não admitirei que minha liderança seja contestada, porque eu sou o povo, caramba! (Hugo Chávez, líder populista)

O populismo, a democracia e a liberdade são palavras diferentes que se relacionam positivamente ou negativamente no contexto político das nações. Portanto, partindo de uma análise da América Latina, verificam-se as características e consequencias políticas do populismo na qualidade da liberdade e da democracia nesta parte do globo, principalmente nos últimos anos com o advento do neopopulismo.

O populismo: democracia e liberdade ameaçadas

O populismo é um estilo político de cunho personalista, sendo um traço marcante na vida dos latino-americanos. Os principais governos de vertente populista dominaram quase todos os países latinos, como o Brasil com Getúlio Vargas e a Argentina com Juan Perón. Depois de crise de 1929, os países latinos sofreram transformações importantes, voltando-se para governos autoritários e de discurso demagógico. Os brasileiros, como os demais latino-americanos, conhecem bem as consequencias sociais das políticas aplicadas por presidentes ou ditadores populistas.

Nos últimos anos a América Latina tem sofrido um novo retrocesso político. Nas décadas de 1960, 1970 e 1980, boa parte dos países sofreu a suspensão da ordem democrática por meio de regimes militares. Nos últimos anos, países como Bolívia com Evo Morales; Equador com Rafael Correa; Nicarágua com Daniel Ortega; Paraguai com Fernando Lugo e a Venezuela com Hugo Chávez elegeram governantes de tendência populista e autoritária, sendo eles contastes críticos da liberdade dos mercados e da liberdade de imprensa. O maior representante do neopopulismo latino é o protoditador venezuelano Hugo Rafael Chávez Frías. Chávez denominou o seu populismo de “socialismo do século XXI” e “bolivarianismo”, baseado no libertador Simón Bolívar.

Definir as políticas de Hugo Chávez como neopopulistas são mera força de expressão, já que o populismo de hoje é praticamente o mesmo, tanto em suas características, como em suas consequencias. O neopopulismo nesse começo de século se alinhou aos sonhos autoritários de uma esquerda carnívora. As principais características do populismo, sejam as de hoje ou do passado, são:

Popularidade pelo assistencialismo

Os governantes populistas praticam o assistencialismo como política de compra e sustentação de votos. Além disso, o assistencialismo serve como manutenção da popularidade. Baseados nas necessidades de classes populares e carentes, os populistas não usam programas assistenciais como paliativos, mas sim como meios perpétuos de dependência do Estado pelo indivíduo.

Diante desse quadro, os populistas criticam todos os que defendem a meritocracia como sustentação própria do homem. Os populistas detestam a ideia do homem como ser autônomo. Preferem achar que o homem é um necessitado do cuidado paternal do Estado em lugar de condições de emprego e estudo para o crescimento pessoal.

Messianismo

Os líderes populistas se comportam como messias. No discurso demagogo se apresentam como a “salvação” para o país. O messianismo é atraente em uma região culturalmente ligada à Península Ibérica. No imaginário de santos e mártires, ligados ao forte catolicismo popular, acabou por fortalecer a figura de homens e mulheres especiais, designados divinamente para uma grande missão libertadora. Fato é que países de tradição protestante são mais resistentes aos líderes messiânicos.

O populismo e suas políticas já são um traço tão marcante da vida nacional. O sociólogo Alberto Carlos Almeida constatou por meio de pesquisas que a maior parte dos brasileiros são defensores de um Estado pesado que gerencie todos os aspectos da economia. Uma mentalidade menos estatizante é mais presente quando o brasileiro aumenta sua escolaridade:

No Brasil, a maioria da população, que tem escolaridade baixa, prefere um Estado mais forte. A mentalidade antiliberal é dominante. Mas, ao colocarmos uma lupa, observamos a divisão de mentalidade entre a escolaridade baixa e o nível superior. O canudo universitário dá poder e aqueles que o têm preferem um Estado mais fraco. [1]

Muitos, inclusive, não se importam com liberdade de imprensa, liberdade de mercados e acham que ser liberal é elitista. Em uma sociedade assim, qualquer discurso paternalista é capaz de mobilizar milhões e milhões de seguidores.

Criação de inimigos

Os populistas sempre enfatizam os seus inimigos reais ou imaginários. “O diabo é o outro”, como diz o chavão. No contexto latino os inimigos de sempre são o terrível imperialismo americano, as grandes multinacionais, os agentes financeiros e os organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Os neopopulistas sempre enfatizam o suposto “golpismo” da oposição, sendo que diante de qualquer crítica ou protesto é visto como um braço que quer derrubar o governo.

Mau gerenciamento econômico

As leis econômicas não fazem os gostos dos líderes populistas. Quase todos os governos latinos somente desmantelaram a economia com o “governo do povo”. Alan Greenspan, o ex-presidente do Federal Reserve (FED), o banco central dos Estados Unidos, escreveu uma sobre o populismo econômico na América Latina, e constatou sobre as consequencias de políticas demagógicas:

Sem dúvida, o século XX não foi bom para os vizinhos aos sul dos Estados Unidos... A Argentina começou o século com PIB per capita real maior que o da Alemanha e dos Estados Unidos. O do México, durante o século, caiu de um terço para um quarto do PIB per capita dos Estados Unidos. O empuxo econômico de seus vizinhos do norte não foi suficiente para evitar a queda. Durante o século XX, os padrões de vida dos Estados Unidos, da Europa Ocidental e da Ásia subiram, cada um deles, mais de um terço mais rápido que os da América Latina. Apenas a África e a Europa Oriental apresentaram desempenho pior. [2]

Quando a economia está em frangalhos, os populistas apelam para demonizar o inimigo. Confiscam mercadorias, taxam com mais impostos, congelam preços, consequentemente elevam a inflação para taxas astronômicas. Diante da crise, acusam as empresas de desestabilizarem o governo. Tal cenário já foi visto no Brasil, e hoje se repete na Venezuela de Hugo Chávez e, em menor grau, na Argentina do casal Kirchner.

A Venezuela, como citado, é um exemplo contemporâneo de desajustes econômicos, mesmo possuindo uma grande reserva de petróleo. O cientista político peruano Álvaro Vargas Llossa escreveu sobre a economia venezuelana comparando com a economia mexicana, assim apontando alguns dados ruins surgidos sob o governo do caudilho Hugo Chávez Frías:

De 1998 a 2005, a desvalorização da moeda foi de 16% no México e de 292% na Venezuela; a taxa de desemprego era de apenas 3,8% no primeiro e de (oficialmente) 12,9% na segunda, embora, pelas razões expostas, esse índice possa ser consideravelmente maior caso se descartem os empregos ocasionais financiados pelo governo; os lares em situação de extrema pobreza diminuíram no México em 49%, enquanto na Venezuela subiram cerca de 4,5%. [3]

Os recentes problemas como o racionamento de energia na Venezuela, além do câmbio artificial e da alta inflação, mostram que as leis de mercado simplesmente não se curvam diante dos mandos e desmandos de algum presidente. O Brasil, por exemplo, conseguiu uma verdadeira “revolução” econômica com o Plano Real em 1994, sem nenhum processo que visava uma ação midiática ou narcisista do líder da nação.

Empatia retórica com “o povo”

Os populistas dizem que amam “o povo”. Gostam de usar frases de empatia para com a população carente. Falam contra ricos e poderosos, sendo eles mesmos os primeiros ricos e poderosos. Apresentam grande facilidade de se apresentarem como “pai dos pobres”, “amigo dos desvalidos” e outros conjuntos de adjetivação atraentes. Aliás, os populistas olham para a população como uma grande massa e, por isso, usam e abusam da palavra “povo”.

A tendência populista é contrária ao individualismo. Contra essa tendência, o jornalista Reinaldo Azevedo escreveu: “Eu não acredito no povo. O povo é uma abstração totalitária. Eu acredito em pessoas” [4]. Na demagogia a ideia de “povo” é usada tanto para esconder o autoritarismo, como para camuflar a verdadeira intenção do governante, que é o bem pessoal em detrimento do trabalho pela sociedade.

Populista é nacionalista. O nacionalismo se converte em mais poder

O nacionalismo se manifesta de forma grotesca e alucinada. A nação precisa defender os seus recursos naturais e se militarizar contra os inimigos imperialistas. A nação também torna-se inimiga do capital financeiro, que segundo os populistas, só tem interesse em expropriar o país. Longe de usarem argumentos sinceros, os populistas buscam no orgulho nacional uma unidade para preservação e perpetuação do poder.

O nacionalismo na América Latina tem sido usado sistematicamente com o objetivo de poder. O caudilho, termo usado para ditadores latinos e espanhóis, abusam desse discurso para que a opinião pública apoie todos os planos do líder, dando mais poder sobre o legislativo e judiciário. Sob um estado de guerra, o populista tenta justificar todos os seus abusos contra a democracia e a liberdade. E logo proclama: “O Estado sou eu”.

O clássico Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano já alerta sobre isso nos idos da década de 1990:

O caudilho encarna o Estado- o personifica – mas também encarna a sociedade em seu conjunto. O caudilho é a nação. Quando o caudilho se aborrece, a nação se aborrece. Quando está triste, a sociedade se amofina. Quanto ele, o macho, está contente, ela, a fêmea sorri. Quanto mais amantes passam pela cama do chefe, mais se admiram os bíceps políticos do caudilho, mais assustam suas fobias e mais alegram suas inclinações. O humor do caudilho é marco jurídico, político, institucional a servir de referência diária ao país. Diante da ausência de instituições sólidas, o caudilho surge com sua força viril. A lona duração do governo compensa a instabilidade de sociedades incompletas. O caudilho torna-se a única coisa permanente, um verdadeiro projeto nacional em si mesmo [5].

Eis um retrato perfeito da Venezuela atual, onde o caudilho Hugo Chávez já resolveu mudar até o fuso horário do país. Ainda por cima, Chávez governa a vida das pessoas pela televisão, falando do tempo no banho e até da suposta influência dos vídeos games sobre as crianças.

Liberdade às favas

Os populistas minam a liberdade por acreditar que “o povo” é incapaz de se governar. Acham sempre que a população precisa de sua tutela. Dessa forma, decidem desde a comida que a população deve consumir até o jornal que devem ler. Em um Estado governado por um populista, a liberdade sempre será confrontada e solapada pelos gostos do governante. Aliás, quando um líder é maior que a instituição que representa, o autoritarismo já bate na porta.
O populista não possui mecanismos de controle, portanto é um estilo de líder incompatível com a democracia. Com seu discurso inaugural, esse tipo de governante implanta a divisão no país, fazendo com que toda a população se volte contra este ou aquele grupo político. Aliás, o populista acredita em completamente “puros” e completamente“ímpios”, sendo ele o exemplo máximo do melhor que há no mundo. A visão maniqueísta somente leva para a divisão de uma sociedade marcada pela violência e corrupção. Em regimes assim sempre haverá presos políticos.

Democracia reinventada e distorcida

Os esquerdistas sempre valorizam a chamada “democracia direta”, que por meio de plebiscitos e movimentos sociais, a sociedade decide o que quer. Bem, os populistas também acreditam na “democracia direta”, ao ponto que utilizam vários plebiscitos para supostamente manifestar a vontade da maioria. Com propagandas e a máquina do Estado, o líder usa desse artifício para impor a sua vontade.

Sobre a democracia direta, o cientista político Leôncio Martins Rodrigues afirmou em entrevista que “a tese de contato direto com a população foi usada pelo fascismo” [6]. Certamente, tal artifício somente esconde as intenções autoritárias que minam a democracia por dentro. É bom lembrar que a democracia e o Estado Democrático de Direito não acabam de um dia para a noite, mas sim por processos lentos e constantes rumo ao autoritarismo. Portanto, toda a atenção é pouca diante das várias tentativas de destruir os preceitos democráticos.

Como nem sempre a maioria está certa, e também lembrando que as leis são feitas na base de muita reflexão, nada melhor do que a democracia representativa. Realmente o legislativo no Brasil não ajuda na imagem da representação, mas apesar das imperfeições, a democracia necessita ser um espaço de moderação e civilidade, e não uma maneira de agir baseado na emoção e calor do momento. O professor Ricardo Vélez Rodríguez escreveu que a união entre “povo” ou “massa” supostamente representada sem instituições mediadoras é certamente autoritarismo: “Preocupa notadamente o fato... da tentativa dos Executivos hipertrofiados pretenderem se vincular diretamente às massas- ao povão que dizem representar – deixando de lado as instituições do governo representativo” [7].

Conclusão

O populismo não combina com democracia. A verdadeira representação passa por representantes legitimamente eleitos, e não nos desdobramentos narcisistas de um líder autoritário. A liberdade sempre é ameaça quando um homem ganha a estatura de um Estado.

Referência Bibliográfica:

[1] ALMEIDA, Alberto Carlos. A Cabeça do Brasileiro. 4 ed. Rio de Janeiro: Record, 2007. p 211.
[2] GREENSPAN, Alan. A Era da Turbulência- Aventuras em um novo mundo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p 323.
[3] LLOSA, Álvaro Vargas; MONTANER, Carlos Alberto e MENDOZA, Plinio Apuleyo. A Volta do Idiota. 1 ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2007. p 73.
[4] AZEVEDO, Reinaldo. Máximas de um País Mínimo. 1 ed. Rio de Janeiro: Record, 2009. p 154.
[5] LLOSA, Álvaro Vargas; MONTANER, Carlos Alberto e MENDOZA, Plinio Apuleyo. Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano. 7 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil e Instituto Liberal, 2008. p 243.
[6] RODRIGUES, Leôncio Martins. Democracia direta é impossível de realizar. Entrevista. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 17 jan. de 2010. Caderno Nacional. A8.
[7] RODRÍGUEZ, Ricardo Vélez. O Neopopulismo na América do Sul- Aspectos Conceituais e Estratégicos. Disponível em: <> Acesso em: 18 jan. 2010.

Nenhum comentário: