quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O ensino de economia no mundo pós-crise

Por Gutierres Siqueira

Como a crise econômica tende a afetar a predominância de teorias econômicas no mundo acadêmico: Uma maior presença keynesiana em detrimento do neoliberalismo

A quebra do Lehman Brothers marcou o início da crise financeira e econômica que abalou o mundo em setembro de 2008. O então quarto maior banco de investimentos especulava com 600 bilhões de ativos financeiros, que eram baseados somente em 15 bilhões de capital próprio. O negociante principal do banco era o Tesouro americano no mercado de ações mobiliárias. Com os prejuízos advindos da crise dos subprimes das hipotecas, a instituição pediu concordata.

A crise das hipotecas começou em 1993. O presidente democrata Bill Clinton, em busca de popularidade e votos do eleitorado negro e hispânico, afrouxou as regras de empréstimos imobiliários voltados às pessoas de baixa renda. Os bancos, como o Lehman Brothers começaram a fazer empréstimos para quem não poderia pagar. Bill Clinton, também, em 1999 revogou a lei Glass-Steagall Act, que proibia bancos comerciais de fazer operações de alto risco, que eram já bem presentes nos bancos de investimento.

No governo republicano de George W. Bush, o déficit americano aumentou bastante para a sustentação de duas frentes militares no Oriente Médio. Além disso, Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve (FED, o banco central americano) baixou os juros de 6% em 2001, para 1% em 2003, mantendo-os baixos todos esses anos. Com os juros baixos, os americanos compraram demasiadamente, impulsionando um excepcional crescimento no mundo todo, ao mesmo tempo em que aumentava o nível de endividamento das famílias.

Ou seja, muitos foram os fatores que contribuíram para a crise. Esquerdistas em todo o planeta profetizavam a queda do capitalismo e diziam que a concordada do Lehman Brothers equivalia para a economia de mercado, o que a queda do muro de Berlim simbolizou para a derrocada socialista. Estes mesmos opositores em suas diversas correntes e social-democratas não demoraram em acusar o liberalismo pela grande crise, pois segundo eles a falta de regulação dos mercados é a gênese da anarquia financeira. Os liberais, em contrapartida, acusam como irresponsáveis as intervenções dos governos via Banco Central e os incentivos a compra de casa como elementos decisivos na gravidade dessa crise.

Os governos reagiram à crise invocando o economista John Maynard Keynes. Com os Estados Unidos a frente, impulsionando a locomotiva do keynesianismo, a economia mundial passou a receber mais investimentos estatais em infraestrutura, entre outros gastos não permanentes. Europa, China e outros emergentes seguiram a linhas dos investimentos estatais. O Brasil também invocou Keynes, mas aproveitou para aumentar os gastos permanentes, como o aumento do funcionalismo público.

A teoria econômica que mostrou mais força no mundo pós-crise certamente é o keynesianismo. Até mesmo a Universidade da Califórnia, berço de neoliberalismo de Milton Friedman começou recentemente a promover debates sobre a crise econômica, abordando várias teorias. Alguns economistas keynesianos, como Joseph E. Stiglitz ganharam mais espaço no noticiário e nas faculdades. Para Paul Krugman, economista ganhador do Prêmio Nobel de 2008 e articulista do jornal The New York Times, Keynes ganhou maior importância: “Keynes é ainda mais importante agora do que o foi há 50 anos. Não sei se os economistas, em geral, se tornarão keynesianos de novo, mas passei a levar muito a sério as questões de tipo keynesiano, se assim se pode dizer. É claro que Lord Keynes não era um profeta sagrado. Ele pode ter colocado as perguntas certas, mas cabe a você, sempre, ter de encontrar as suas próprias respostas”.

Há quem não considere a existência de um novo paradigma econômico nas universidades. Para o professor Vinícius Carrasco, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), “só uma há teoria econômica, aquele que é ensinada em todas as escolas de economia do mundo”. O professor Luis Henrique Braido, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), o importante é consolidar o que já vem sendo ensinado, pois a economia é uma ciência baseado no método científico: “A abordagem desses temas baseia-se no método científico, que enaltece a dedução lógica formal e o confronto de suas conclusões com fatos observáveis. A utilização desse método permitiu à civilização ocidental alcançar notável progresso tecnológico nos últimos séculos”.

O complexo de luta contra o neoliberalismo

Algumas escolas de economia, como a Universidade de Bolonha (Espanha) estão mudando o seu currículo, pois acreditam que a economia neoclássica influencia negativamente no comportamento especulativo irresponsável, criando a gênese de bolhas e novas crises. Para os professores portugueses Fernando Alexandre e Pedro Bação, isso é um exagero, pois mudanças drásticas no currículo são fruto de um pensamento equivocado, que mostra universidade acreditando em alunos “tábuas rasas”, que absorveriam de modo acrítico o ensino: “esta visão tem na sua origem a ideia de que o ensino superior tem a capacidade de criar ‘homens novos’ com as características desejadas pelos seus criadores, desde que estes lhes ensinem os comportamentos corretos. Pensamos que a história recente já contrariou de forma clara a hipótese de que é possível controlar a natureza humana pela educação”. Portanto, segundo esse teóricos, não é necessário o abandono do ensino liberal nas universidades, pois ele não é culpado pela crise.

Para o historiador britânico Tony Judt, em entrevista para o jornal Folha de S. Paulo, o neoliberalismo perderá espaço e acabará a sua hegemonia. Acusado de fomentador da crise econômica, a economia ortodoxa verá mais defensores de intervenção estatal: “Creio que, nos próximos dez anos, veremos uma renovação das discussões de políticas públicas que aceitam descrever temas sociais e iniciativas de governo sob perspectivas mais amplas, mais éticas ou políticas, se quiser. O que acontece agora nos EUA, o debate sobre o sistema de saúde, talvez seja uma das últimas consequências da onda economicista”.

Apesar dessa possível derrocado do neoliberalismo, o sociólogo sueco Göran Therborn não acredita em uma resposta antiliberal: “A crise significa a morte do neoliberalismo, como a crise dos anos 30 foi a morte do liberalismo, mas isso não significa que ele não possa ressuscitar. Até agora, não há alternativa abrangente”. Enquanto isso, o economista da Universidade da Califórnia, Gary Becker, acredita que o mundo pós-crise ainda será liberal: “Os princípios fundamentais da liberdade de mercado, que foi o que trouxe a cultura ocidental até este estágio de desenvolvimento, vão permanecer inabaláveis”.

Fato é que as faculdades de economia continuarão em suas tendências, sejam elas mais liberalizantes ou estatizantes. A crise econômica provocou maiores debates, mas sem necessariamente mudanças estruturais nos cursos acadêmicos.

Nenhum comentário: